Synthesis, vol. 26, no. 1, e052, junio-noviembre 2019. ISSN 1851-779X
Universidad Nacional de La Plata
Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación
Centro de Estudios Helénicos

Artículos

A defesa das leis ancestrais em 2 Macabeus*

http://orcid.org/0000-0003-0254-6165 Willibaldo Ruppenthal Neto **

Universidade Federal do Paraná, Brasil

Cita sugerida: Neto, W. R. (2019). A defesa das leis ancestrais em 2 Macabeus. Synthesis, 26(1), e052. https://doi.org/10.24215/1851779Xe052

Resumo: O presente artigo visa analisar o uso do termo grego nómos em 2 Macabeus, destacando o estabelecimento dentro deste livro de uma propaganda judaica em defesa das “leis ancestrais”, a fim de validar a resistência dos Macabeus em prol do modo de vida judaico (Ioudaismós) e contra a imposição do modo de vida grego (Hellenismós) sobre os judeus.

Palavras-chave: Judaísmo, Judeus, Lei, Helenismo, 2 Macabeus.

The Defense of Ancestral Laws in 2 Maccabees

Abstract: This article aims to analyze the use of the Greek term nómos in 2 Maccabees, highlighting the establishment within this book of a Jewish propaganda in defense of the “ancestral laws” in order to validate the resistance of the Maccabees in favor of the Jewish way of life (Ioudaismós) against the imposition of the Greek way of life (Hellenismós) over the Jews.

Keywords: Judaism, Jews, Law, Hellenism, 2 Maccabees.

Apesar do termo grego νόμος (nómos), “lei”, ter um sentido primariamente social e político na Antiguidade, em alguns contextos este termo acaba recebendo um aspecto teológico, como é o caso de seu uso pelo livro de 2 Macabeus. Afinal, em 2 Macabeus nómos também aparece em particular associação com Deus, principalmente quando o termo está com adjetivos,1 como se pode perceber quando se atenta para os vários casos do termo e suas variantes em 2 Macabeus, conforme a tabela abaixo:

Tabela
A lei em 2 Macabeus
A lei em 2 Macabeus

Pode-se notar, portanto, que nómos serve não somente como referência àLei de Moisés, ou seja, o texto sagrado judaico (nº 193 e nº 244 ), assim como às especificidades jurídicas dos judeus decorrentes deste texto (esp. nº 1 e nº 20), ao mesmo tempo que também serve como meio de referência ao próprio judaísmo, ou seja, ao modo de vida judaico como um todo.

Afinal, no livro de 2 Macabeus o próprio sumo sacerdote Jasão, duramente criticado no livro, é chamado de apóstata das leis” (nº 5), assim como outro sumo sacerdote, Menelau, é acusado de ser um “traidor das leis” (nº 6). Tais acusações aos sumos sacerdotes devem ser percebidas em sua abrangência, uma vez que são decorrentes não somente de uma crítica religiosa, pelo descumprimento das leis sagradas, mas também de uma crítica cultural, pelahelenização da Judeia5 decorrente e relacionada à relação destes sumos sacerdotes com o rei selêucida Antíoco Epifânio e, evidentemente, à adoção do estilo de vida grego (2 Mac. 4.11ss.), os quais, após o decreto de Antíoco e a consagração do Templo a Zeus (2 Mac. 6), passaram a ser vistos como formas de traição não somente aos costumes judaicos mas também ao própriojudaísmo (Ioudaismós).6

Sendo assim, ambos –Jasão e Menelau– devem ser percebidos não somente como apóstatas da fé judaica, mas também como traidores de seu povo, não apenas ofendendo um modo de vida, mas também uma estrutura jurídica definida pelas leis próprias dos judeus. Afinal, assim como o Ἰουδαϊσμός (Ioudaismós) ofendido é composto por leis, as νόμοι (nómoi), leis, também são, inversamente, o grande símbolo do Ioudaismós, de modo que os opositores ao Ἑλληνισμός (Hellenismós) não apenas lutam pelas nómoi (nº 23), mas também estão dispostos a morrerem pelas nómoi, a exemplo de Judas (nº 17), Eleazar (nº 10) e os sete irmãos mártires (nº 11-16), que são apresentados no texto de 2 Macabeus em completa oposição a Jasão e Menelau.

Para além disto, o texto de 2 Macabeus também fala das leis divinas” (nº 4), das leis de Deus” (nº 8), das “suas leis (nº 12-14), e mesmo dasleis por ele estabelecidas” (nº 18). Ao mesmo tempo, porém, estas leis possuem um caráter histórico: as leis são de seus pais (nº 7, nº 11 e nº 16), ou ainda, mais especificamente, são a própria Lei que foi dada aos nossos pais por meio de Moisés (nº 15). Mesmo que não esteja claro à primeira vista, os dois aspectos estão relacionados, como se pode perceber em 2 Macabeus 6.1, onde ambos os usos (nº 7/ nº 8) aparecem em paralelismo, indicando queas leis de seus pais (nº 7) eas leis de Deus (nº 8) são a mesma coisa. Assim, é possível de se notar que a designação das leis como sendo as leis de seus pais (πατρίων νόμων), que também poderia ser traduzido como leis ancestrais, não implica em negação da origem divina da mesma (Himmelfarb, 1998, p. 28, nota 17),7 mas antes acrescenta a esta um valor político diferenciado.

Apesar do valor e da sacralidade das leis judaicas estarem, para os próprios judeus, na origem divina desta,8 para o público helenístico de 2 Macabeus (e da revolta como um todo) é o caráter ancestral destas leis que lhes dá valor político. Como bem indicado por Robert Doran (2011, p. 427), as πάτριοι νόμοι (pátrioi nómoi),leis ancestrais, serviam comoum slogan que carregava grande apelo emocional no mundo helenístico. Segundo Tucídides,9 por exemplo, durante a Guerra do Peloponeso o partido democrático teria utilizado das pátrioi nómoi em seu discurso político em Samos, não somente afirmando que seus opositores fizeram mal em abolir as leis ancestrais, mas também indicando que tentariam preservar tais leis e forçar os oligarcas a fazerem o mesmo. A proibição das leis ancestrais, portanto, tal qual é a apresentação de 2 Macabeus da perseguição de Antíoco, era algo extremamente malvisto no ambiente político do mundo helenístico.10

As pátrioi nómoi também eram, segundo Elias Bickerman (2007, Vol. I, p. 340), o primeiro favor concedido por um rei helenístico a uma cidade conquistada. Afinal, sendo conquistada, não mais possuía o direito de existir a partir de suas leis e instituições, apenas as retomando através de um ato promulgado pelo seu novo mestre (Bickerman, 2007, Vol. I, p. 340).11 No caso judaico, Antíoco III havia concedido o direito de que os judeus continuariam com suas leis ancestrais (τοὺς πατρίους νόμους).12 Mais tarde, porém, João Hircano chega a Antíoco VII, após a rendição de Jerusalém, querestaure aos judeus sua constituição ancestral”.13

Também a restituição das pátrioi nómoi eram particularmente importantes. Como bem indicado por Políbio, várias cidades que haviam sido destituídas de suas leis ancestrais após serem compelidas a entrarem na Liga Etólia14 tiveram sua forma de governo ancestral (τὰ πάτρια πολιτεύματα) restituída e puderam novamente praticar suas leis e constituição ancestrais (πολιτείαις καὶ νόμοις χρωμένους τοῖς πατρίοις).15 Outro exemplo importante é Esparta: apesar de Cleomenes ter alterado a constituição de Esparta após conquista-la, Antígono veio depois a reestabelecer sua política ancestral.16

Também os romanos foram exaltados por restaurarem aconstituição ancestral (τὸ πάτριον πολίτευμα) de Foceia,17 que provavelmente havia perdido a prática de suas leis ancestrais após ser tomada por Seleuco, filho de Antíoco III (Doran, 2011, p. 427). A restauração das pátrioi nómoi, portanto, era uma prática não somente bem vista politicamente, mas também um meio de exaltar uma atitude ou personagem político, até porque a restauração de leis implicava em melhora política, tanto entre os gregos como posteriormente entre os romanos.

Assim, quando Otávio restaurou uma aparência de legalidade em 28 a. C., a apresentou como uma restauração da República e das antigas leis,18 de modo que sua atitude foi comemorada com uma moeda de ouro19 (Figura 1) trazendo a inscriçãorestaurou a leges e iura20 do povo romano (Kantor, 2012, p. 68), a fim de legitimar a nova situação romana, que estava se iniciando, com a constituição do Império (27 a. C.) como restauração da República.21 Segundo o próprio Augusto, as suas três recusas (em 19, 18 e 11 a. C.) ao desejo do Senado e do povo de que se tornasse único e plenamente empoderado guardião da lei e da ordem (curator legum et morum summa potestate solus), se deram por seu cuidado em não aceitar nenhum cargo que fosse inconsistente com o costume de nossos ancestrais (contra morem maiorum).22

Figura 1
Moeda de ouro de Otávio23
Moeda de ouro de Otávio23
Anverso: Rosto de Otávio Augusto virado à direita. Inscrição: IMP[ERATOR] CAESAR DIVI F[ILIUS] CO[N]S[UL] VI. Reverso: Otávio sentado em uma sella curulis virado à esquerda, segurando um pergaminho na mão direita e com uma caixa de pergaminhos aos seus pés, à esquerda. Inscrição: LEGES ET IVRA P[OPVLO] R[OMANO]24 RESTITVIT. Moeda de 28 a. C., cunhada na região da atual Turquia. 18 mm. de diâmetro e 7.95 g.

Da mesma forma, 2 Macabeus parece apresentar Judas Macabeu como o restaurador das leis ancestrais dos judeus (nº 1), não somente legitimando a Revolta dos Macabeus como também estabelecendo uma propaganda do próprio judaísmo aos moldes gregos.25 Esta propaganda, porém, não se dá somente em relação às leis, mas também no uso da ancestralidade como elemento discursivo importante.26 Assim, 2 Macabeus não fala somente dasleis ancestrais (nº 7, nº 11 e nº 16), mas também dos festivais ancestrais (πατρῴους ἑορτὰς, 2 Mac. 6.6), dos caminhos ancestrais (μεταθέμενον ἀπὸ τῶν πατρίων, 2 Mac. 7.24), das honras ancestrais (πατρῴους τιμὰς, 2 Mac. 4.15), e até mesmo doidioma ancestral(τῇ πατρίῳ φωνῇ ),27 utilizado na resposta dos mártires a Antíoco (2 Mac. 7.8, 27), na luta do Macabeu (2 Mac. 12.37) e mesmo no triunfo judaico sobre Nicanor (15.29).28 Deste modo, não somente o Ioudaismós é apresentado como uma defesa das tradições ancestrais, mas também o próprio Hellenismós aparece consequentemente como uma inovação perigosa (Himmelfarb, 1998, p. 27),29 pois leva os judeus a abandonarem as glórias ancestrais (πατρῴους τιμὰς) em virtude das glórias helênicas (Ἑλληνικὰς δόξας, 2 Mac. 4.15).

Alei (νόμος) em 2 Macabeus, portanto, apesar de seu caráter religioso –evidente pela relação da mesma com Deus, tendo origem divina, e mesmo sendo o símbolo da religião judaica–, é também a designação do próprio Ioudaismós como uma realidade política, como o uso dasleis ancestrais(πάτριοι νόμοι) deixa claro. É justamente por isso que a resistência política empreendida pelos macabeus pode ser considerada uma luta em nome da própria Lei judaica, ou seja, em nome das suas leis, de sua religião, de seus direitos políticos e mesmo, evidentemente, do modo de vida judaico.30

A Revolta dos Macabeus, portanto, não foi somente uma luta com intenção jurídica e cultural, mas também política: não foi somente pelas leis, maspela lei e pela pátria (2 Mac. 8.21 [17]). Também não foi somente cultural e política, mas também religiosa: se deu em defesa da Lei, da pátria e do Templo sagrado (2 Mac. 13.10 [22]). A luta, portanto, foi uma luta na qual seus integrantes se empenharam para recuperarem o Templo, (...) libertarem a cidade e (...) restabelecerem as leis (2 Mac. 2.22 [nº 1]), de modo que nenhuma esfera pode ser ignorada: afinal, a Revolta foi pelas leis, pelo Templo, pela cidade, pela pátria e por seus direitos de cidadãos (2 Mac. 13.14 [23]).

Com o estudo a respeito da cidade, das leis e mesmo do slogan dasleis ancestrais”, se pode perceber que, para 2 Macabeus,Jerusalém é uma polis, os judeus são cidadãos, e o seu modo de vida é uma politeia”, como lembra Martha Himmelfarb (1998, p. 30). Mesmo o uso dos termos nómos e nómoi “reflete esta compreensão política do modo de vida judaico (Himmelfarb, 1998, p. 30), indicando o aspecto político do Ioudaismós.31 Também o uso do slogan dasleis ancestrais, que se dá de acordo com a concepção grega da nação concebida como uma entidade moral (Renaud, 1961, p. 60), corrobora no sentido de uma percepção política do Ioudaismós, apresentando-o aos moldes do pensamento político grego, mesmo que seja construído em oposição ao Hellenismós.

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Notas

* O presente artigo é resultado de minha dissertação de Mestrado em História, defendida na Universidade Federal do Paraná em 2018, a qual contou com apoio financeiro do CNPq (Brasil).
** Willibaldo Ruppenthal Neto es doctorando en Historia por la Universidad Federal de Paraná (UFPR), donde obtuvo su Licenciatura y su Maestría en Historia. Es profesor en las Facultades Bautistas de Paraná (FABAPAR), donde obtuvo su bachillerato en Teología, y es miembro estudiante del Núcleo de Estudios Mediterráneos (NEMED), de la UFPR. Es autor de 30 artículos académicos que versan sobre historia del judaísmo (especialmente del período helenístico) y teología de la Biblia Hebrea, como “O relato de Hecateu de Abdera sobre os judeus” (Hypnos, 41, 2018) y “As partes pelo todo: a mentalidade paratáxica em Homero e no Antigo Testamento” (Archai, 24, 2018, con Renan Frighetto).
1 O termo nómos normalmente é utilizado em 2 Macabeus sem modificadores, como lembra Martha Himmelfarb (1998, p. 27, nota 17). Quando há os mesmos, normalmente servem como meio de associar o termo a Deus. Na contagem de Himmelfarb, em 12 casos não há modificadores (2 Mac. 2.22 [1]; 3.1 [2]; 4.2 [3]; 5.8 [5],15 [6]; 6.5 [9]; 8.21 [17]; 10.26 [19]; 12.40 [21]; 13.10, [22] 14 [23]; 15.9 [24]), em 7 casos há modificadores que estabelecem uma relação com Deus (2 Mac. 4.17 [4]; 6.1 [8]; 7.9 [12], 11 [13], 23 [14], 30 [15]; 8.36 [18]), e em apenas 4 casos há modificadores que associam as leis aos próprios judeus (2 Mac. 6.1 [7]; 7.2 [11], 37 [16]; 11.31 [20]). O caso de 2 Macabeus 6.28 (10) parece indicar uma relação com Deus, apesar de esta não estar explícita, enfatizando o caráter das próprias leis, em seu valor, mais do que em sua origem. Cf. Himmelfarb (1998, pp. 27-28, nota 17).
2 Tabela baseada na listagem de Martha Himmelfarb (1998, p. 25, nota 14). Himmelfarb somente troca a indicação do verso 8.21 por 8.2.
3 Jonathan A. Goldstein (1983, p. 397) destaca que há, no início de 2 Macabeus 10.26, uma referência a Joel 2.17, enquanto que no final a “Lei” é uma referência a Êxodo 23.22: “Mas se escutares fielmente a voz e fizeres o que te disser, então serei inimigo dos teus inimigos e adversário dos teus adversários” (Êx. 23.22, BJ). Sendo assim, portanto, é muito provável que νόμος seja uma referência à Torá de modo geral, à semelhança do contexto neotestamentário. Cf. Mt. 5.18; 12.5; 22.36; Lc. 2.27; 10.26; 16.17; Jo. 1.17,45; At. 6.13; 7.53; 18.13,15; 21.20; 23.3; Rm. 2.13,15,18,20,23,26; 4.15; 7.1,5,14,21.
4 Talvez o nº 15 e o nº 21 também possam ser compreendidos como referências à Torá como um todo, à semelhança do nº 19 e do nº 24: a “Lei” dada por meio de Moisés (nº 15) parece ser uma referência clara à Torá, e a proibição indicada no nº 21 parece ser uma referência ao texto de Deuteronômio 7.25-26, que proíbe que os judeus possuam ídolos. Cf. Goldstein (1983, p. 448).
5 A construção do ginásio grego empreendida por Jasão, segundo o autor de 2 Macabeus, implicou na transformação não somente jurídica, mas também cultural de Jerusalém e da Judeia, uma vez que envolvia a criação de “costumes contrários à Lei [νόμιμα]” (2 Mac. 4.11).
6 Apesar do helenismo ser, a princípio, como destacou Martin Hengel (1974, pp. 55ss.), uma força secular na Judeia, a qual era predominantemente limitada à aristocracia de Jerusalém (Hengel, 1974, p. 56), com a intromissão selêucida em aspectos que, para os judeus eram sagrados e fundamentais para sua religião, tais como a circuncisão, o sábado e a exclusividade de culto a Yahweh, a Revolta contra o domínio selêucida, que pode ter começado com aspecto predominantemente político e econômico, recebeu omaterial necessário para afirmar-se como luta religiosa e teológica. Ao mesmo tempo, apesar da construção ideológica do helenismo como uma espécie de inimigo a ser combatido, como bem destacou Martin Hengel (1989, p. 30), com o tempo até mesmo onde havia completa rejeição ao que era estrangeiro –como na comunidade dos essênios–, acabou sendo influenciado pela cultura grega: o que 2 Macabeus, sendo escrito em grego e ao estilo grego, apesar de sua construção em oposição aohelenismo”, é um dos maiores exemplos.
7 De fato, parece haver certa relação entre as leis ancestrais (πάτριοι νόμοι) e a religião, como indica Robert Doran (2011, p. 428): em uma inscrição de Cos, p.e., que data do séc. III a. C., são dadas instruções “para que as purificações e as ofertas purificatórias e os sacrifícios sejam celebrados de acordo com as leis ancestrais”. Cf. Doran (2011, p. 428); Sokolowski (1969, p. 263, nº 154, linhas 5-6). Outra inscrição, de Éfeso, também do séc. III a. C., intitulada “sumário das leis ancestrais”, começa com a indicação que o magistrado acenda fogo aos altares e ofereça incensos. Cf. Doran (2011, p. 428); Sokolowski (1962, p. 203, nº 121, linhas 2-4). Por fim, Doran menciona o fato de que, quando Adriano afirma que ninguém disputará a respeito dos cidadãos de Narkya terem uma pólis e os direitos da mesma, indica como argumento o fato de que se podem ver que estes possuem um conselho, magistrados, sacerdotes, tribos gregas, de modo que culto e conselho formam um par (Doran, 2011, p. 428). Cf. Jones (2006, pp. 151-162).
8 Segundo a tradição judaica, as leis judaicas foram entregues por Moisés ao povo enquanto este estava no deserto. Também os cinco primeiros livros da Tanakh, chamados em conjunto de Torá (Lei), teriam sido escritos por Moisés. Mesmo assim, porém, as leis teriam tido uma origem divina, sendo concedidas pelo próprio Deus a Moisés, a fim de que as entregasse e ensinasse ao povo. Deste modo, pode-se perceber, p.e. uma indicação da autoria divina dos Dez Mandamentos, obra do próprio Deus (Êx. 34.1; Dt. 4.13; 5.22; 10.4), ao mesmo tempo que é entregue ao povo por Moisés (cf. Êx. 34.27-28).
9 Tucídides 8.76.6:abolindo as leis de seus ancestrais (the laws of their fathers, cf. Smith (1958, p. 325). Texto grego: τοὺς πατρίους νόμους καταλύσαντας.
10 A afirmação de Arnaldo Momigliano (1975, p. 100) sobre a perseguiçãode Antíoco na afirmação de que tal interferência direta nos cultos ancestrais de uma nação não havia sido ouvida no mundo de fala grega de tempos imemoriais é um tanto exagerada, uma vez que não somente a Liga Etólia obrigou cidades a mudarem suas leis e revogarem leis ancestrais e Cleomenes alterou as leis espartanas, mas também Filopoemen revogou as leis ancestrais de Licurgo em Esparta, impondo as leis dos aqueus.
11 Quando Filipe V da Macedônia conquista a ilha de Nisyros, p.e., concede aos seus habitantes que continuem a praticar suas leis, como atestado pelos próprios habitantes: “o rei reestabeleceu entre nós o uso das leis ancestrais que estão atualmente em voga” (δέδωκεν βασιλῆ ἁμῖν τοῖς πατρίοις καὶ ὑπάρχουσιν χρῆσθαι). Cf. Bickerman (2007, Vol. I, p. 341); Himmelfarb (1998, p. 28). Poderia ser, porém, que a cidade tivesse de solicitar esta concessão ao rei, como uma cidade não nomeada da Ásia Menor, que quando conquistada pediu ao rei que lhe restaurasse às suas próprias leis e ao seu governo tradicional. Cf. Bickerman (2007, Vol. I, p. 340). Em outros casos, porém, as leis ancestrais eram revogadas, até o poder mudar de mãos, e o novo soberano as restaurar, como é o caso da cidade de Apolônia de Rhyndacos, que perdeu sua política ancestral quando estava sob Antíoco III e somente a restaurou quando sob Eumenes II, que atendeu ao pedido de Korragos, governador do Helesponto, concedendo à cidade “as leis e constituição ancestrais” (τε ν[ό]μους καὶ τὴν πάτριον πολιτείαν). Cf. Doran (2011, p. 428).
12 Josefo, Ant. Jud. 12.142. Cf. Bickerman (2007, Vol. I, pp. 315ss.).
13 Josefo, Ant. Jud. 13.245. Grego: ἀξιῶν τὴν πάτριον αὐτοῖς πολιτείαν ἀποδοῦναι.
14 A Liga Etólia foi uma confederação de cidades gregas centrada na Etólia, região no centro da Grécia, se estabelecendo em oposição à Liga Aqueia, centrada na Acaia, ao norte do Peloponeso. Inicialmente se aliou aos romanos, mas depois guerreou contra estes na Guerra Etólia (191-189 a. C.), tornando-se vassala dos romanos.
15 Políbio, Histor. 4.25.7. Texto grego completo: παραπλησίως δὲ καὶ τοὺς ὑπὸ τῶν καιρῶν ἠναγκασμένους ἀκουσίως μετέχειν τῆς Αἰτωλῶν συμπολιτείας, ὅτι πάντας τούτους ἀποκαταστήσουσιν εἰς τὰ πάτρια πολιτεύματα, χώραν ἔχοντας καὶ πόλεις τὰς αὑτῶν, ἀφρουρήτους, ἀφορολογήτους, ἐλευθέρους ὄντας, πολιτείαις καὶ νόμοις χρωμένους τοῖς πατρίοις. Cf. Paton (1979, p. 364).
16 Políbio, Histor. 2.47.3; 2.70.1.
17 Políbio, Histor. 21.6; 21.45.7; Tito Lívio, Urb. 37.11.15.
18 Otávio Augusto apresentou o novo estado político como res publica restituta ou conservata, o que não significou a preservação da República, como sistema político, mas antes a restituição das leis tradicionais, suspensas durante o triunvirato e restaurando uma imagem de normalidade constitucional. Como lembra Tácito (Ann. 3.28.2), em seu sexto consulado, César Augusto, se sentindo seguro em seu poder, anulou os decretos de seu triunvirato e nos deu uma constituição que pode nos servir em paz sob uma monarquia” (sexto demum consulatu Caesar Augustus, potentiae securus, quae triumviratu iusserat abolevit deditque iura quis pace et principe uteremur). Esta restituição se deu em um processo, tanto revivendo a função colegial do consulado (Dio Cassio, Hist. Rom. 53.1.1) como concedendo ao Senado seu poder sobre as províncias, de modo a estabelecer uma restitutio rei publicae”. Cf. Hurlet & Vervaet (2010, p. 335).
19 Apesar do questionamento de R. Martini (1992, 1996) a respeito da veracidade desta moeda, a maioria dos numismatas se colocou a favor da legitimidade da mesma (Bianchi, 2007, p. 8, nota 11), especialmente em decorrência da descoberta de outro exemplar da mesma cunhagem (Blackburn Museum, Lancashire, RNUM-063004). Cf. Abdy & Harling (2005). Sobre a moeda e sua importância histórica, cf. Mantovani (2008); Rich & Williams (1999).
20 O termo iura é o plural de ius, termo latino referente à lei, tanto em relação às leis do povo romano (iura populi romani) quanto em relação à lei em geral, como o uso do ablativo (iure) indica, designando o que está em conformidade com a lei. Cf. Berger (1953, p. 525, verbete Ius (Iura)”). O termoleges é o plural delex, palavra latina para leis, especialmente em relação a conjuntos de leis ou leis específicas. O binômioiura-leges indica, portanto, uma relação tanto com os textos legais (leges) quanto com a doutrina legislativa (iura), e se constitui, aqui, em um elemento fortemente representativo, como indicou Paola Bianchi (2007, p. 9, nota 11).
21 Apesar da propaganda de restauração, a transformação sob Augusto foi muito mais para uma nova Roma do que a volta aos modos antigos, cf. Richardson (2012, p. 85). Sobre a alegação de restauração da República e o estabelecimento do Império, cf. esp. Richardson (2012).
22 Otávio Augusto, Res Gest. 6.
23 Fonte: The British Museum, nº 1995,0401.1.
24 Não está claro se a abreviaturaP R na inscrição (reverso) se refere a POPULO ROMANO ouPOPULI ROMANI, cf. Bianchi (2007, p. 9, nota 11). POPULO ROMANO: Abdy & Harling (2005). POPULI ROMANI: Mantovani (2008).
25 Como bem lembra Martha Himmelfarb (1998, p. 28), não há termo na Bíblia Hebraica comparável a pátrios (πάτριος). Este termo, de amplo uso na literatura grega (cf. LSJ, p. 1348), aparece somente em uma passagem corrompida de Isaías (8.21) na LXX. Há também somente dois casos de sua variação, patrôos (πατρῷος), na LXX, estando em Provérbios (27.10) e numa passagem corrompida de 2 Esdras (7.5). Trata-se, portanto, de um termo próprio do vocabulário grego e mesmo da propaganda política grega.
26 A relação do Ioudaismós com a ancestralidade será um fundamento importante do mesmo, como se pode perceber na posterior declaração de Paulo na sua carta aos Gálatas (1.14), quando afirma que avançou no Ioudaismós muito mais que muitos de seus contemporâneos pelo zelo com que cuidava das tradições (παραδόσεων) de seus ancestrais (πατρικῶν). Cf. Tabela 1 (nº 5).
27 Evidentemente, oidioma ancestral é o hebraico. Denominando o hebraico como idioma ancestral ou língua paterna(πατρίῳ φωνῇ), o autor de 2 Macabeus destaca no relato algumas situações na qual o idioma utilizado foi o hebraico, e não o grego. No capítulo 7, o hebraico funciona como meio de “contestação e resistência”, como indicou Martha Himmelfarb (1998, p. 37). Afinal, quando confrontados com o tirano de fala grega, os mártires o desafiam com o uso da língua hebraica: a língua ancestral [πατρίῳ φωνῇ] é percebida por Antíoco como umavoz (φωνῇ) de censura (2 Mac. 7.24). De fato, a mãe aproveita o hebraico para enganar o tirano (2 Mac. 7.27), incentivando seu filho a se dispor ao martírio, ou seja, a agir exatamente do modo contrário ao que o rei desejava e lhe pedira (Himmelfarb, 1998, p. 38). Nos capítulos 12 e 15, porém, o hebraico aparece não tanto como contestação, mas como lealdade à causa do judaísmo (Himmelfarb, 1998, p. 38), sendo utilizado no grito de guerra de Judas (2 Mac. 12.37) e no louvor a Deus após a vitória sobre Nicanor (2 Mac. 15.29).
28 Como bem lembra Pierre J. Jordaan (2013), o fato da língua de Nicanor ter sido cortada (2 Mac. 15.33) não é um fato esporádico, mas se constitui no resultado de um combate de mãos e línguas entre Nicanor e os judeus: enquanto o primeiro usou sua cabeça, língua e mão de modo negativo, os judeus usam seus membros de modo positivo (Jordaan, 2013, p. 69), tendo como resultado final que Nicanor tivesse sua mão, cabeça e língua cortados. Cf. 2 Mac. 15.30ss. Apesar de Joordan enfatizar o combate do órgão língua” (γλῶσσα), cabe se atentar para certo combate de idiomas, ou seja, da língua(φωνῇ) falada, entre o grego, de Nicanor, e o hebraico, dos judeus. Cf. 2 Mac. 15.29.
29 De fato, a própria afirmação das leis ancestrais indica a periculosidade da inovação, uma vez que o apelo às tradições ancestrais não indica estabilidade das mesmas, mas justamente o contrário: como destacou Brent Nongbri (2005, p. 108) os apelos “podem, e de fato muitas vezes apontam para a fluidez das tradições”, uma vez que servem como meio de adquirir poder e legitimar autoridades. Assim, durante uma crise política em Atenas, diferentes grupos tentaram implementar suas propostas políticas indicando-as como um retorno às leis ancestrais. Cf. Nongbri (2005, p. 108). Quando o grupo dosTrintasobe ao poder, pretende administrar a constituição ancestral e chega a se colocar como restaurando a constituição, quando na verdade foram bastante inovadores. Cf. Aristóteles, Ath. 35.2.
30 Discordamos de Steve Mason na afirmação deste autor de que Ioudaismós não é um “sistema de vida” (modo de vida?), mas antes uma resposta ao Hellenismós (Mason, 2007, p. 467): afinal, sendo o Hellenismós ummodo de vida”, é natural que o termo Ioudaismós, surgindo em relação a este como uma contra resposta, designe algo semelhante e, de certo modo, contrário.
31 Como bem apontou Daniel Boyarin (2007, p. 68), o termo Ioudaismós parece ser, como proposto por Jonathan Goldstein (1983, p. 230), uma indicação dopermanecer leal aos caminhos dos judeus e a causa política de Jerusalém (Boyarin, 2007, p. 68), de modo que a tradução de Goldstein do termo por religião judaica (Goldstein, 1983, p. 300) se torna uma contradição. Cf. Boyarin (2007, p. 68, nota 14). Não será à toa, portanto, a proposta de tradução de Shaye J. D. Cohen por Jewishness ao invés de Judaism, uma vez que a religião não é o foco do termo. Cf. Cohen (1996, p. 219). Cf. também Cohen (1999).

Recepción: 01 febrero 2019

Aprobación: 20 mayo 2019

Publicación: 28 octubre 2019

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