Synthesis, vol. 30, no. 2, e138, agosto 2023-enero 2024. ISSN 1851-779X
Universidad Nacional de La Plata
Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación
Centro de Estudios Helénicos

Articulos

A ação das palavras na Electra de Sófocles

Rafael Guimarães Tavares da Silva

Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Cita recomendada: Silva, R. G. T. (2023). A ação das palavras na Electra de Sófocles. Synthesis, 30(2), e138. https://doi.org/10.24215/1851779Xe138

Resumo: Os estudos tradicionais dedicados à tragédia Electra,de Sófocles, enfatizaram uma dicotomia entre os longos discursos lúgubres de Electra, sobretudo na primeira metade da peça, e a eficiência das ações executadas por Orestes para levar a cabo o desenlace da trama. Buscando apoio em comentadores contemporâneos dessa obra, que têm destacado a dimensão performativa de certos atos de fala aí existentes, pretendo revisitar essa discussão a fim de suscitar uma nova possibilidade de consideração sobre o papel desempenhado por Electra na peça. A interpretação aqui aventada pretende dar conta de certas estranhezas do texto trágico, sugerindo uma melhor compreensão de detalhes da cena em que Clitemnestra é assassinada, bem como da conclusão aparentemente amoral avançada pela forma como a peça se encerra, sem que o matricídio pareça ter quaisquer consequências nefastas (como é o caso nas versões que Ésquilo e Eurípides propõem desse mesmo incidente mítico).

Palavras-chave: tragédia antiga, Sófocles, Electra, atos de fala.

The Action of the Words in Sophocles’ Electra

Abstract: Traditional studies dedicated to Sophocles’ tragedy Electra have emphasized a dichotomy between Electra’s long dismal speeches, especially in the first half of the play, and the efficiency of Orestes’ actions to carry out the outcome of the plot. Seeking support from contemporary commentators on this work, who have emphasized the performative dimension of certain speech acts there, I intend to revisit this discussion in order to elicit a new possibility of considering Electra’s role in the play. The interpretation suggested here accounts for certain strangeness of this tragic text and advances a better understanding of some details of the scene in which Clytemnestra is murdered, as well as the seemingly amoral conclusion advanced by the way the work ends, without the matricide seeming to have any harmful consequences (as it happens in the versions that Aeschylus and Euripides propose of this same mythic event).

Keywords: Ancient Tragedy, Sophocles, Electra, Speech Acts.

So will ich Mann und Weib: kriegstüchtig den Einen, gebärtüchtig das Andre,
beide aber tanztüchtig mit Kopf und Beinen.
Und verloren sei uns der Tag, wo nicht Ein Mal getanzt wurde! Und falsch
heisse uns jede Wahrheit, bei der es nicht Ein Gelächter gab!
(Nietzsche, Za-III-Tafeln-23)1

A tragédia Electra de Sófocles prestou-se às mais diversas interpretações no que diz respeito à atuação da heroína homônima no interior da intriga. A maior parte dos estudos tradicionais sobre a peça destaca a capacidade retórica de Electra –sobretudo quando em comparação com aquela que Ésquilo delineara para a mesma personagem em Coéforas–, mas geralmente a contrapõe a uma incapacidade para a ação, como se subjazesse uma espécie de oposição entre palavra e ação ao longo do drama.2 Tal é o entendimento de Woodward (1964), com sua proposta de um arranjo dialético da peça, no qual a capacidade discursiva de Electra teria sua contraparte na capacidade pragmática de Orestes. Estudos mais recentes, contudo, têm atentado para a dimensão performativa do discurso e –mesmo quando não chegam a reconhecer o caráter fundamental desempenhado pelas palavras de Electra no interior da trama de Sófocles– apontam o poder dessa capacidade para impulsionar parte da ação. Tal é o caso de Kitzinger (1991), para quem a influência das palavras de Electra é preponderante até a última saída de cena do Pedagogo (v. 1371).

Sarah Nooter (2011), revisitando essa bibliografia tradicional sobre o assunto, propõe que as verdadeiras capacidades de Electra derivam de seu lugar na tradição poética da lamentação e oferecem-lhe a possibilidade de construir uma experiência diferenciada de tempo e espaço. Desde a primeira entrada dessa personagem em cena (v. 86), o emprego de versos anapésticos para a expressão de um treno lamentoso, queixando-se do destino que lhe fora concedido no interior do arranjo cósmico, é responsável pela instalação de um tempo de luto e de morte na própria cena.

Diante desse trecho, a estudiosa comenta o seguinte:

O que torna o desespero de Electra tão intenso, a despeito dos dez anos que se passaram desde a morte em questão? É precisamente porque sua lamentação pretende estender o progressivo tempo presente da morte de seu pai. Seu lamento pela morte dele pode ser interpretado precisamente como um lamento pela incompletude de duas outras mortes –as de sua mãe e Egisto. Quando Electra apostrofa à luz e ao ar, ela busca tornar a própria atmosfera sua cúmplice na manipulação do tempo: enquanto a morte de seu pai é provada como algo ainda atual e o presente é petrificado, sua vingança permanece uma ameaça. (Nooter, 2011, p. 403)3

Considerando os desdobramentos de uma leitura etimológica do nome de Electra como a-léktra, ou seja, como a “sem-leito”, conforme uma indicação da própria peça (v. 962), Wheeler (2003, p. 380) sugere a existência de uma relação profunda entre a morte de Agamêmnon, a condição deplorável da jovem sob o governo de Clitemnestra e Egisto, a manutenção de um luto perpétuo e de uma virgindade prolongada (causada pela privação do matrimônio). Segundo o autor, os resultados de um prolongamento da virgindade teriam –para os gregos– efeitos nefastos sobre a condição social feminina, com um aprofundamento da estranheza provocada pelo estado liminal de toda parthénos [moça]. No caso de Electra, os indícios levam a crer numa tomada de consciência sobre a necessidade de vingar o próprio pai para reconstituir seu oîkos [lar] original: isso poderia ser uma explicação para a duração pouco convencional de seu luto e seus efeitos para o desenrolar da intriga.

Electra, por meio de seu canto enlutado, que é a forma estética de seu personagem da “jovem sem leito”, instalou em todo o espaço teatral, a orkhḗstra e a cena, seu tempo perpendicular, o tempo dos mortos-vivos. Aqueles que doravante entrarem em cena entrarão nesse tempo, perdendo o tempo que lhes era próprio: Crisótemis, Orestes, Clitemnestra e Egisto vêm colidir a todo vapor contra esse tempo, esmagando-se uns após os outros sem poder ultrapassá-lo. (Dupont, 2001, p. 106)4

Como se vê, o poder da palavra de Electra é muito mais pervasivo do que os estudos tradicionais poderiam levar a crer. Em seu caso, o discurso ganha um estatuto capaz de mudar o próprio tempo da ação, adquirindo uma dimensão pragmática e performativa (Wheeler, 2003, p. 379). Sua influência sobre as demais personagens é tão considerável que, na cena em que o Pedagogo retorna para convocar Orestes e Pílades ao cumprimento do derradeiro plano contra Clitemnestra, a ação pode ser vista como resultado perlocucionário do discurso de Electra. Ela afirma o seguinte, dirigindo-se ao Pedagogo:

ὦ φίλτατον φῶς, ὦ μόνος σωτὴρ δόμων
Ἀγαμέμνονος, πῶς ἦλθες; ἦ σὺ κεῖνος εἶ
ὃς τόνδε κἄμ᾽ ἔσωσας ἐκ πολλῶν πόνων;
ὦ φίλταται μὲν χεῖρες, ἥδιστον δ᾽ ἔχων
ποδῶν ὑπηρέτημα, πῶς οὕτω πάλαι
ξυνών μ᾽ ἔληθες οὐδ᾽ ἔφαινες, ἀλλά με
λόγοις ἀπώλλυς, ἔργ᾽ ἔχων ἥδιστ᾽ ἐμοί;
χαῖρ᾽, ὦ πάτερ· πατέρα γὰρ εἰσορᾶν δοκῶ·
χαῖρ᾽· ἴσθι δ᾽ ὡς μάλιστά σ᾽ ἀνθρώπων ἐγὼ
ἤχθηρα κἀφίλησ᾽ ἐν ἡμέρᾳ μιᾷ. (S., El., vv. 1354-1363)

Ó mais cara luz, ó único salvador do lar
de Agamêmnon, como vieste? És tu acaso aquele,
que a este aqui e a mim salvaste de muitas penas?
Ó mais caras mãos e tu, que tem o mais agradável
préstimo dos pés, de que modo há tempos
estando presente enganaste-me e não apareceste, mas me
arrasando com palavras, tendo as mais caras obras para mim?
Salve, ó pai: pois considero que vejo o próprio pai.
Salve: sabe que eu própria sumamente, dentre os homens,
detestei-te e amei-te num único dia.

Ao reconhecer o homem que muitos anos atrás partira com Orestes ainda criança para salvar-lhe da morte certa, Electra rejubila-se a tal ponto que chega a projetar nele o amor que sentia por seu próprio pai –confundindo aquele que dera vida a Orestes com aquele que lhe salvara a vida. Essa projeção reforça a dimensão algo incestuosa de seu desejo de justiçamento, além de cumprir uma função narratológica importante: Electra convoca a figura espectral de seu pai à cena, com o intuito de motivar a ação vingativa e reivindicatória de Orestes, executando aquilo que só fora possível nas Coéforas de Ésquilo por meio de muitos versos de invocação. Ao trazer Agamêmnon para a cena –sob a figura do Pedagogo–, Electra desperta a vergonha e o amor filial em seu irmão. Não é à toa, portanto, que as próximas palavras do Pedagogo, ao serem revestidas de uma autoridade paternal tão grande, serão respeitadas com a mais pronta obediência por parte do jovem Orestes:

οὐκ ἂν μακρῶν ἔθ᾽ ἡμὶν οὐδὲν ἂν λόγων,
Πυλάδη, τόδ᾽ εἴη τοὔργον, ἀλλ᾽ ὅσον τάχος
χωρεῖν ἔσω, πατρῷα προσκύσανθ᾽ ἕδη
θεῶν, ὅσοιπερ πρόπυλα ναίουσιν τάδε. (S., El., vv. 1372-1375)

Nada mais de grandes discursos para nós,
Pílades, que assim seja a obra: o mais depressa possível
entrar em casa, não sem antes prosternar-se à sede
paterna dos deuses –aqueles que ficam perante o pórtico.

Orestes exprime não apenas seu desejo de converter os grandes discursos em grandes ações, mas de fazê-lo em conformidade com a mais tradicional piedade filial, ou seja, não sem antes prosternar-se perante os numes da casa de seu pai. Nesse sentido, o justiçamento configura-se como a única ação restante para um filho zeloso da memória e do respeito de seu pai: se Clitemnestra foi responsável por assassinar Agamêmnon e usurpar-lhe o trono –colocando Egisto no lugar de seu legítimo esposo–, a resposta de Orestes não poderia ser outra que não o derramamento do sangue desses usurpadores. Isso é evidente desde o início da peça, quando as disposições do oráculo de Apolo são mencionadas por Orestes:

ἐγὼ γὰρ ἡνίχ᾽ ἱκόμην τὸ Πυθικὸν
μαντεῖον, ὡς μάθοιμ᾽ ὅτῳ τρόπῳ πατρὶ
δίκας ἀροίμην τῶν φονευσάντων πάρα,
χρῇ μοι τοιαῦθ᾽ ὁ Φοῖβος ὧν πεύσει τάχα·
ἄσκευον αὐτὸν ἀσπίδων τε καὶ στρατοῦ
δόλοισι κλέψαι χειρὸς ἐνδίκους σφαγάς. (S., El., vv. 32-37).

No tempo em que fui ter com o Pítico
Oráculo, para descobrir de que modo ao pai
poderia trazer justiça, contra seus assassinos,
o Febo proclamou-me o que saberás de pronto:
sozinho, desprovido de armas e exército,
com dolos tomar com a própria mão os justos assassinatos.

Embora uma tradição exegética tenha desejado impor um sentido ominoso às palavras do oráculo –interpretando uma espécie de erro no modo como Orestes formula a pergunta com que se consulta–, nada no texto aponta nessa direção.5 Muito antes pelo contrário: na linha do que demonstra o estudo de Leona MacLeod (2001), os dolos com que Apolo indica que Orestes deve agir para reaver seu direito sobre o trono de Micenas acabam se revelando condição sine qua non para que seu justiçamento promova a restauração da justiça. Afinal, esse é o sentido por trás da fórmula paradoxal com que o oráculo se expressa, referindo-se aos “justos assassinatos” [endíkous sphagás] de Clitemnestra e Egisto.6

Apenas levando-se em conta esses pontos é que se torna possível esclarecer o sentido do sonho de Clitemnestra, tal como narrado por sua filha Crisótemis:

λόγος τις αὐτήν ἐστιν εἰσιδεῖν πατρὸς
τοῦ σοῦ τε κἀμοῦ δευτέραν ὁμιλίαν
ἐλθόντος ἐς φῶς· εἶτα τόνδ᾽ ἐφέστιον
πῆξαι λαβόντα σκῆπτρον οὑφόρει ποτὲ
αὐτός, τανῦν δ᾽ Αἴγισθος· ἐκ δὲ τοῦδ᾽ ἄνω
βλαστεῖν βρύοντα θαλλόν, ᾧ κατάσκιον
πᾶσαν γενέσθαι τὴν Μυκηναίων χθόνα.
τοιαῦτά του παρόντος, ἡνίχ᾽ Ἡλίῳ
δείκνυσι τοὔναρ, ἔκλυον ἐξηγουμένου· (S., El., vv. 417-425)

Corre a palavra de que ela encarou
uma segunda união com o pai teu e meu,
de volta à vida: e então junto à lareira
ele enfiou o cetro, após tomá-lo, aquele que antes
portava e que agora é de Egisto. E a partir dele
floresceu um ramo frondoso, com o qual
toda a terra dos micênios se fez assombrada.
De alguém presente no momento de revelação do sonho
ao deus Sol [Hélio], ouvi esse relato.

O ramo frondoso que floresce a partir unicamente do cetro enfiado por Agamêmnon junto à lareira é o próprio Orestes. O sonho de Clitemnestra é, portanto, mais do que um presságio com relação ao futuro, uma representação perene do oîkos [lar] de Agamêmnon (Dupont, 2001, p. 111). Mas a representação de Orestes como um filho apenas de seu pai, não de sua mãe, é a motivação para que Clitemnestra envie oferendas à tumba de Agamêmnon no início da peça: com isso ela pretende restaurar a antiga unidade do oîkos, reivindicando para si uma participação ativa no desenvolvimento do ramo frondoso que floresce a partir do cetro real. Não é por acaso que Electra se contrapõe tão violentamente a que sua irmã Crisótemis deponha essas oferendas no sepulcro de Agamêmnon, terminando por convencê-la a não fazê-lo: honrar o pai é digno para elas, mas para Clitemnestra –depois de tudo o que ela perpetrara contra seu marido– seria odioso e digno de vergonha (vv. 431-463).7

Em todo caso, a ideia de que Orestes se revele um filho sem mãe –gerado apenas de seu próprio pai– é algo que já se encontrava nas Eumênides de Ésquilo (não sem uma dose de ironia e artifício retórico na argumentação de Apolo por lá, ainda que certamente capaz de indicar um sistema de crenças in statu nascendi entre os atenienses do século V AEC).8 Essa mesma ideia permanece na Electra de Sófocles: o luto perpétuo da heroína homônima é responsável por manter sempre viva a lembrança do estado dilacerado em que se encontra o oîkos de Agamêmnon –um oîkos sem esposa legítima–, propiciando o espaço-tempo em que a vingança contra Clitemnestra poderá ser perpetrada sem gerar as consequências tradicionais do derramamento de sangue (Dupont, 2001, p. 123).

Ecoando a ideia contida no oráculo de Apolo, as palavras abalizadas do Coro9 –na sequência imediata do assassinato de Clitemnestra– sugerem uma justa reparação pelo sangue de Agamêmnon (derramado por ela no passado) com o derramamento de sangue da própria Clitemnestra (a partir da ação de Orestes no presente), como se esse ato sanguinolento levasse a cabo uma perfeita equitação:

τελοῦσ᾽ ἀραί· ζῶσιν οἱ γᾶς ὑπαὶ κείμενοι·
παλίρρυτον γὰρ αἷμ᾽ ὑπεξαιροῦσι τῶν
κτανόντων οἱ πάλαι θανόντες. (S., El., vv. 1419-1421)

As preces se cumprem! Vivem os que jazem sob a terra.
Pois os outrora mortos tomam para si o sangue
re-escorrente dos que agora estão morrendo.

Essa sugestão de uma equiparação da injustiça passada por meio do sangue derramado no presente justifica –de uma perspectiva jurídica, mas também religiosa e sociopolítica– a aparente amoralidade com que o fim brutal da peça se encaminha, sem qualquer sugestão de que a vingança teria como consequência a manifestação das Erínias para punir o próprio Orestes (como fica sugerido nas Eumênides, de Ésquilo, ou ainda nas peças Electra e Orestes, de Eurípides).10 As palavras finais da tragédia, proclamadas pelo Coro, delineiam essa ideia de uma resolução derradeira dos conflitos dinásticos, por meio da obtenção enfim da liberdade [eleuthería].

ὦ σπέρμ᾽ Ἀτρέως, ὡς πολλὰ παθὸν
δι᾽ ἐλευθερίας μόλις ἐξῆλθες
τῇ νῦν ὁρμῇ τελεωθέν. (S., El., vv. 1508-1510)

Ó semente de Atreu, depois de muito sofrer,
finalmente alcanças a liberdade,
perfazendo-se no elã de agora.

Nesse sentido, o luto de Electra –exibido ao longo da peça por meio de suas constantes passagens líricas com efusões lúgubres– seria responsável por tornar religiosamente aceitável a execução de uma ação que ela mesma iniciara muitos anos atrás, ao salvar a vida de seu irmão, quando o enviou junto ao Pedagogo para longe dos assassinos de seu pai (vv.10-14; 317-323; 1127-1130). Em inúmeras passagens da peça, fica claro que Electra é responsável tanto por propiciar a sobrevivência de Orestes –abrindo a possibilidade de que sua vingança se cumpra no futuro–, quanto pela manutenção de um luto que revela a ilegitimidade dos fundamentos sobre os quais se pautam as relações entre Clitemnestra e Egisto, deixando aberta a possibilidade de que a vingança contra eles se cumpra em bases aceitáveis em termos religiosos e políticos.11

Não bastasse a importância de Electra como propiciadora primeira da vingança e mantenedora de suas condições de cumprimento, o desfecho da tragédia reforça sua participação ativa no matricídio. Logo após a partida de Orestes e Pílades rumo ao interior do palácio, Electra faz uma oração a Apolo, conectando a ação presente ao oráculo que o deus emitira em Delfos no passado (vv. 82-85).12 Assim sendo, ela reforça a dimensão religiosa que justificaria o ato extremo praticado por eles e, empregando a linguagem tradicional das preces, com uma evocação de antigas oferendas prestadas ao deus, torna seu apelo ainda mais convincente e persuasivo:

ἄναξ Ἄπολλον, ἵλεως αὐτοῖν κλύε
ἐμοῦ τε πρὸς τούτοισιν, ἥ σε πολλὰ δὴ
ἀφ᾽ ὧν ἔχοιμι λιπαρεῖ προύστην χερί.
νῦν δ᾽, ὦ Λύκει᾽ Ἄπολλον, ἐξ οἵων ἔχω
αἰτῶ, προπίτνω, λίσσομαι, γενοῦ πρόφρων
ἡμῖν ἀρωγὸς τῶνδε τῶν βουλευμάτων,
καὶ δεῖξον ἀνθρώποισι τἀπιτίμια
τῆς δυσσεβείας οἷα δωροῦνται θεοί. (S., El., vv. 1376-1383)

Senhor Apolo, propiciadoramente aos dois escuta
e a mim por eles, eu que a ti muitas vezes de fato
trouxe em mãos suplicantes o que me era possível.
Agora, ó Lício Apolo, com tudo o que tenho,
imploro-te, prostro-me, rogo-te: sê propício
e apoiador de nossos planos
e mostra às pessoas os prêmios
da impiedade que os deuses oferecem.

A dimensão piedosa arrogada por Electra é evidente nos dois últimos versos desse trecho: ela conclama que o deus mostre aos homens as consequências de um comportamento impiedoso como o de Clitemnestra e Egisto. O fundamento da ação que resta a ser executada é, portanto, apresentado em sua dimensão religiosa como devido, e seus agentes reivindicam para tal ação um lastro –em última instância– sagrado e divino.

Além disso, na sequência imediata da ação, quando Orestes está frente a frente com sua mãe no interior do palácio, a influência do poder discursivo de Electra continua a se fazer sentir: ao contrário do que acontece nas Coéforas, o diálogo não é entre mãe e filho, mas sim entre mãe e filha. Electra, depois de ouvir os gritos de Clitemnestra, é quem responde a suas interpelações e ordena que não se tenha piedade na execução do matricídio:

Ἠλέκτρα: βοᾷ τις ἔνδον· οὐκ ἀκούετ᾽, ὦ φίλαι;
Χορός: ἤκουσ᾽ ἀνήκουστα δύστανος, ὥστε φρῖξαι.
Κλυταιμνήστρα: οἴμοι τάλαιν᾽, Αἴγισθε, ποῦ ποτ᾽ ὢν κυρεῖς;
Ἠλέκτρα: ἰδοὺ μάλ᾽ αὖ θροεῖ τις.
Κλυταιμνήστρα:                                  ὦ τέκνον τέκνον,
               οἴκτιρε τὴν τεκοῦσαν.
Ἠλέκτρα:                                              ἀλλ᾽ οὐκ ἐκ σέθεν
ᾠκτίρεθ᾽ οὗτος οὐδ᾽ ὁ γεννήσας πατήρ.
Χορός: ὦ πόλις, ὦ γενεὰ τάλαινα, νῦν σοι
μοῖρα καθαμερία φθίνει, φθίνει.
Κλυταιμνήστρα: ὤμοι πέπληγμαι.
Ἠλέκτρα:                                              παῖσον, εἰ σθένεις, διπλῆν.
Κλυταιμνήστρα
ὤμοι μάλ᾽ αὖθις.
Ἠλέκτρα: εἰ γὰρ Αἰγίσθῳ θ᾽ ὁμοῦ. (S., El., vv. 1406-1416)

El.: Alguém grita dentro de casa? Não ouvistes, ó amigas?
Co: Ouvi o inaudível, desgracento! De arrepiar!
Cl.: Ai de mim! Desgraçada! Egisto, por onde andas?
El.: Eis que algo retumba.
Cl.: Ó filho, filho,
tens piedade da que te pariu!
El: Mas como? Se de ti não
encontraram piedade ele e o pai que o gerou?
Co.: Ó pólis, ó prole desgraçada, agora a ti
o fado diariamente arruína, arruína.
Cl.: Ai de mim, fui atingida!
El.: Acerta, se puderes, duplamente!
Cl.: Ai de mim, de novo!
El.: Tomara que também contra Egisto!

Electra revela-se a derradeira interlocutora de sua mãe. Se Orestes e Pílades decidem converter grandes discursos em grandes ações, a responsabilidade pela manutenção desses discursos –verdadeiros motores das ações que se passam atrás da cens– permanecerá como atribuição de Electra. Não é um acaso, portanto, que ela seja responsável ainda, por meio de versos cuja dubiedade trágica revela uma maestria retórica impressionante, pelo engodo que culminará na morte de Egisto. E, mais uma vez, esse assassinato é executado sob as ordens expressas da moça, que tenta proteger seu irmão do potencial perigo contido nas palavras do tirano (vv. 1483-1490).

Levando em conta tudo o que foi dito –e é digno de nota que esses pontos poderiam ser reforçados por referências a outras passagens em que a dimensão performativa das palavras de Electra se manifesta em suas discussões com Crisótemis e Clitemnestra na primeira metade da peça–, a preponderância dessa personagem no encaminhamento da ação na peça é indiscutível.13 Sua atuação, ainda que em larga medida retórica e discursiva, condiciona inúmeras dimensões do drama e questiona fundamentalmente qualquer tratamento dicotômico entre palavra e ação. Por meio de sua atuação ao longo de toda a tragédia, mas antes mesmo de que sua ação tenha início (durante o período que se estende desde o assassinato de Agamêmnon até o presente), ela mostra que palavras podem ter um efeito bastante profundo sobre a realidade.

Isso, contudo, não a impede de enxergar que palavras frequentemente sejam usadas de maneira vã por quem não dispõe da coragem necessária para lhes conferir efetividade. Referindo-se a Orestes no início da peça, que até àquela altura enviara muitas mensagens promissoras, mas ainda não se decidira a agir, ela propõe a seguinte crítica:

φησίν γε· φάσκων δ᾽ οὐδὲν ὧν λέγει ποεῖ. (S., El., vv. 319)

Ele fala que sim, mas, falando, nada faz do que diz.

Pouco depois, censurando o comportamento covarde de Crisótemis, que afirmava odiar Clitemnestra e Egisto, mas seguia acatando suas ordens, Electra a repreende com a seguinte frase:

σὺ δ᾽ ἡμὶν ἡ μισοῦσα μισεῖς μὲν λόγῳ,
ἔργῳ δὲ τοῖς φονεῦσι τοῦ πατρὸς ξύνει. (S., El., v. 357-358)

Mas tu, que, odiando, odeias apenas em palavra,
em ação te unes aos assassinos do pai.

Ainda assim, na medida em que dispõe da coragem para sustentar sempre [aeí]14 um discurso que mantém viva a memória do assassinato criminoso de seu pai, enquanto expõe a natureza injusta do governo implementado por seus assassinos, Electra reconhece o poder das palavras sobre a realidade e, durante muitos anos, sofre na própria pele as consequências de se contrapor abertamente a inimigos poderosos: sua vida de misérias é a prova mais evidente de que suas palavras são efetivas e incomodam Egisto e Clitemnestra (MacLeod, 2001, p. 66). Tal como sugerem os estudos recentes nos quais a presente interpretação se baseia, há uma dimensão pragmática, performativa, do discurso de Electra e toda a intriga trágica está condicionada por ela. Ainda que em alguns momentos ela própria reconheça os exageros em que se vê obrigada a incorrer, a jovem tem consciência de que situações extremas exigem condutas extremas:

αἰσχύνομαι μέν, ὦ γυναῖκες, εἰ δοκῶ
πολλοῖσι θρήνοις δυσφορεῖν ὑμῖν ἄγαν.
ἀλλ᾽ ἡ βία γὰρ ταῦτ᾽ ἀναγκάζει με δρᾶν,
σύγγνωτε· πῶς γὰρ ἥτις εὐγενὴς γυνή,
πατρῷ᾽ ὁρῶσα πήματ᾽, οὐ δρῴη τάδ᾽ ἄν; (S., El., vv. 254-258)

Envergonho-me, ó mulheres, se vos pareço
estar me excedendo demais em meus cantos fúnebres.
Mas a violência me força a agir assim,
queirais perdoar-me... Como é que uma mulher nobre,
vendo os ultrajes contra o pai, poderia não agir?

Os excessos do luto constituem uma conduta suspeita para o homem grego antigo de modo geral, especialmente para os cidadãos da democracia ateniense, que compõem o público alvo principal da encenação de Electra.15 Ainda assim, havendo valores superiores a serem defendidos por meio de condutas suspeitas, não resta dúvidas de que os riscos devam ser assumidos por pessoas valorosas. Electra, valendo-se dos recursos limitados (e altamente suspeitos) que uma moça grega antiga tem à disposição, propicia a vingança contra os assassinos do pai e promove o restabelecimento do governo legítimo de Micenas. Seu papel no desenrolar da trama é absolutamente central.

Diante do exposto, é possível recorrer aqui – à guisa de conclusão – às palavras com que Sarah Nooter encerra seu artigo, relacionando linguagem, lamentação e poder na Electra de Sófocles, quando afirma o seguinte:

Ao longo da ação da peça, a linguagem de Electra é determinada por prioridades genéricas de lamentação, enquanto a ação da peça é ela própria determinada por essa linguagem. A onipresença de sua voz mantém a conexão do presente com o passado –suspendendo sua mãe, irmã e a própria cidade de Micenas no momento subsequente ao assassinato de seu pai. Quando o retorno de Orestes traz a vingança ao horizonte, ela emprega as ferramentas linguísticas da lamentação para manter sua centralidade na peça e seu agenciamento sobre os assassinos. A visão crítica que obscurece a significação ativa da lamentação de Electra também dá peso demais à influência de Orestes. Donde o desejo interpretativo de imaginar Electra como uma peça tão tematicamente, e até estruturalmente, bifurcada quanto se costuma sugerir que seja o caso de Antígona. Uma dualidade definidora não está tão certamente colocada em Electra. Embora o drama de Sófocles ostensivamente postule uma equivalência entre irmão e irmã através da dicotomia entre ações e palavras, tal dicotomia é derrubada no fim. Por trás de todas as ações, erguem-se as palavras de Electra. (Nooter, 2011, p. 417)16

Referências

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Storr, F. (1913). Sophocles. Vol 2: Ajax. Electra. Trachiniae. Philoctetes. (Trad. F. Storr). London, New York: William Heinemann Ltd., The Macmillan Company.

Torrano, J. A. A. (2004). Orestéia III: Eumênides. Estudo e tradução de Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras/ FAPESP.

Vieira, T. (2009). Electra(s) de Sófocles e Eurípides. (Trad. Trajano Vieira). São Paulo: Ateliê Editorial.

Wallace, R. W. (2016). The World Gone Wrong: Sophokles’ Electra. AOFL, XI(1), 53-77.

Wheeler, G. (2003). Gender and Transgression in Sophocles’ Electra. CQ, 53(2), 377-388.

Woodward, T. M. (1964). Electra by Sophocles: The Dialectical Design. HSPh, 68, 163-205.

Zeitlin, F. (1978). The Dynamics of Misogyny: Myth and Mythmaking in The Oresteia. Arethusa, 11(1/2), 149-184.

Notas

1 Todas as traduções ao longo do texto são de minha autoria. “Assim eu quero o homem e a mulher: um, guerreiro valoroso; a outra, parideira valorosa, mas ambos dançarinos valorosos com a cabeça e as pernas. E que consideremos perdido o dia em que nem uma única vez dançarmos! E que chamemos de falsa toda a verdade que não seja acompanhada por uma gargalhada!” (Nietzsche, Assim falou Zaratustra III, Das tábuas antigas e novas 23).
2 Um levantamento bibliográfico da fortuna crítica da peça é oferecido e analisado por Leona MacLeod (2001).
3 No original: “What makes Electra’s despair so intense, despite the decade since the death in question? It is precisely that her lamentation is intended to extend the progressive present tense of her father’s death. Her lament for this death can as accurately be interpreted as a lament for the incompletion of two more deaths—those of her mother and Aegisthus. When Electra apostrophizes to the light and air, she seeks to make the atmosphere itself complicit in her manipulation of time: as long as her father’s death is proved current and the present is petrified, his vengeance remains a threat” (Nooter, 2011, p. 403).
4 No original: “Électre, par son chant endeuillé, qui est la forme esthétique de son personnage de la « fille sans lit », a installé dans tout l’espace théâtral, l’orchestra et la scène, son temps perpendiculaire, le temps des morts-vivants. Ceux qui désormais entreront sur scène entreront dans ce temps en perdant le leur : Chrysothémis, Oreste, Clytemnestre puis Égisthe viennent se cogner de plein fouet à ce temps, ils s’y écrasent les uns après les autres sans pouvoir le dépasser” (Dupont, 2001, p. 106).
5 Alguns dos estudos que avançam essa leitura incluem os de Sheppard (1927, pp. 163-5); Blundell (1989, pp. 149-183); Kitzinger (1991, pp. 298-327) e Ringer (1998, pp. 137-8). Para uma lista com a referência desses trabalhos e uma refutação convincente de seus argumentos: MacLeod, 2001, pp. 10-13; pp. 28-38.
6 Em acréscimo aos argumentos com que MacLeod (2001, pp. 107-134) defende a centralidade dos dolos na economia dramática da peça, gostaria de aproveitar a ocasião para sugerir algo que não vi proposto na bibliografia secundária aqui consultada: a longa mensagem falsa do Pedagogo, quando descreve de forma hiperbólica o valor heroico de Orestes e suas conquistas nos Jogos Píticos (antes que “morresse” durante a disputa de carros) (Electra, vv. 680-763), serve também para suscitar ainda mais alívio por parte de Clitemnestra com a notícia da morte de um vingador potencialmente tão perigoso. A meu ver, isso justifica que ela, depois de hesitar em como reagir perante a morte do filho (vv. 770-771), acabe se mostrando aliviada e contente com a perspectiva de continuar vivendo sem ter que se preocupar com tamanha ameaça e outras decorrentes dela (vv. 773-787). Para mais apontamentos sobre a notícia falsa da morte de Orestes: MacLeod (2001, pp. 112-118); Duarte (2010).
7 Nas palavras com que MacLeod (2001, p. 72) interpreta corretamente a passagem: “A aliança sexual de Clitemnestra com Egisto é uma forma de adultério, um ato destrutivo do oîkos e da estabilidade política da pólis.” No original: “Klytaimnestra’s sexual alliance with Aigisthos is a form of adultery, an act destructive of the oikos and the political stability of the polis.”
8 O trecho específico dessa argumentação de Apolo nas Eumênides de Ésquilo começa a partir do v. 657. Para apontamentos sobre a interpretação dessa passagem e o que ela pode sugerir em termos de imaginário dos atenienses do período clássico: Zeitlin (1978, pp. 166-74); Loraux (1981, pp. 144-145); Halperin (1990, p. 139); Goldhill (2006, pp. 149-151).
9 Digno de nota é o fato de que o Coro seja composto por mulheres mais velhas do que Electra. Elas são figuras de autoridade em Micenas e essa caracterização tem um reflexo sobre a fiabilidade de suas palavras. Não é à toa que, a certa altura, elas aparecem chamadas por Electra de “cidadãs” (a palavra politídes, relativamente rara na tragédia grega, aparece em Electra, v. 1227). Sobre o Coro dessa tragédia: Harder (1995, pp. 24-27); Loraux (1999, pp. 38-40); MacLeod (2001, pp. 42-44); Finglass (2005, pp. 204-205).
10 O próprio texto trágico de Sófocles parece deliberadamente evitar referências ominosas diretas ao ato de vingança como um matricídio, amenizando esse aspecto do conflito trágico vivido por Electra e Orestes. Nesse sentido, é como se a Electra sofocliana tematizasse a ação da perspectiva do tiranicídio, sem problematizar o matricídio propriamente dito. À luz do possível contexto histórico de encenação da tragédia (pouco tempo após chegar ao fim o golpe instituído pelo Conselho dos Quatrocentos, no ano de 411 AEC), essa preponderância do aspecto político sobre o doméstico faz ainda mais sentido. Para reflexões sobre o tema: MacLeod (2001, pp. 153-154); Wheeler (2003, p. 387); Konstan (2008). Acerca das complexas questões de datação: Konstan (2008, pp. 78-79); Wallace (2016, pp. 54-56).
11 Essa é uma das teses do estudo de MacLeod (2001). Curiosamente, Finglass (2005) pretende fazer reparos pontuais no que entende ser uma ênfase exageradamente política desse estudo –explorando também a interrelação entre pólis e oîkos ao longo de toda a peça–, mas chega a conclusões muito próximas daquelas já propostas por MacLeod.
12 Ironicamente, a própria Clitemnestra cumprira um ritual propiciatório –com sacrifícios e oração– em honra a Apolo, com o objetivo de afastar qualquer mal possivelmente contido no sonho que tivera com Agamêmnon (vv. 634-659). A ironia é ainda maior porque o Pedagogo entra em cena na sequência imediata (v. 660), trazendo a notícia (falsa) sobre a morte de Orestes: da perspectiva de Clitemnestra, portanto, Apolo teria cumprido imediatamente seu pedido; da perspectiva do público da tragédia, contudo, é evidente que o deus não é enganado pela farsa de Clitemnestra, mas já precipita os dolos por meio dos quais a justiça será restaurada.
13 A centralidade da personagem também pode ser compreendida tanto em termos do parâmetro moral endossado pela peça (Harder, 1995, pp. 24-29); (MacLeod, 2001, pp. 39-40), quanto em termos cênicos, segundo a distribuição dos papéis entre os três atores, com o protagonista dedicando-se exclusivamente a representar Electra (Ringer, 1998, pp. 130-131).
14 A noção de aeí como uma categoria de tempo cíclico sem fim –engendrado pelo luto constante de Electra –e sua importância no enredo da peça sofocliana aparecem detidamente exploradas por Loraux (1999, pp. 37-41; pp. 47-63).
15 Em seu estudo já mencionado antes, Loraux (1999, pp. 83-99) analisa em detalhes a resistência (masculina e democrática) aos excessos do luto (feminino e aristocrático) na Atenas do período clássico, em particular no que diz respeito à sua tematização na tragédia grega.
16 No original: “Throughout the action of the play, Electra’s language is determined by the generic priorities of lamentation, while the action of the play is itself determined by this language. The omnipresence of her voice maintains the connection of the present to the past –suspending her mother, sister, and Mycenae itself in the moment after the murder of her father. When Orestes’ return brings revenge into view, she uses the linguistic tools of lamentation to maintain her centrality in the play and her agency in the murders. The critical view that obscures the active significance of Electra’s lamentation also lends too much weight to the influence of Orestes. Hence the scholarly desire to imagine Electra as thematically, and even structurally, bifurcated in the way so often observed of Antigone. A defining duality is not so surely located in Electra. Though Sophocles’ drama ostensibly sets up an equivalence between the brother and sister through a dichotomy of actions and words, this dichotomy is overturned in the end. Behind all actions stand Electra’s words” (Nooter, 2011, p. 417).
Agradeço às pessoas responsáveis pelo parecer e pela edição do presente texto: seus apontamentos, críticas e sugestões bibliográficas enriqueceram a discussão e trouxeram maior profundidade aos argumentos.

Recepción: 13 Mayo 2022

Aprobación: 12 Agosto 2022

Publicación: 11 Septiembre 2023

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